segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Pobreza - Sêneca


"Pobre não é aquele que tem pouco, mas antes aquele que muito deseja."
Sêneca
Img: Futebol, Cândido Portinari

A Síntese das Antíteses - Lao-Tsé


"Só temos consciência do belo, quando conhecemos o feio.
Só temos consciência do bom, quando conhecemos o mau.
Porquanto o Ser e o Existir se engendram mutuamente.
O fácil e o difícil se completam.
O grande e o pequeno são complementares,
O alto e o baixo formam um todo.
O som e o silêncio formam a harmonia.
O passado e o futuro geram o tempo.
Eis porque o sábio age pelo não-agir. E ensina sem falar.
Aceita tudo que lhe acontece.
Produz tudo e não fica com nada.
O sábio tudo realiza – e nada considera seu.
Tudo faz – e não se apega à sua obra.
Não se prende aos frutos da sua atividade.
Terminada a sua obra, e está sempre no princípio.
E por isso a sua obra prospera."

A Síntese das Antíteses, poema 2 de "Tao Te Ching: o livro que revela Deus" - Lao-Tsé
 
por Humberto Rohden:

Neste capítulo proclama Lao-Tsé a grande lei da bipolaridade do Universo e de todas as coisas. Nada é somente o Uno, e nada é somente o Verso – tudo é Universo, unidade na diversidade, equilíbrio dinâmico, harmonia cósmica.

Não há círculos unicêntricos no Universo, há tão-somente elipses bicêntricas, quer no mundo dos átomos, quer no mundo dos astros.

E, como o anthropos é um microcosmo, feito à imagem e semelhança do grande kósmos, deve também o homem obedecer à mesma lei da bipolaridade, que rege o macrocosmo.

Quem só enxerga o belo no belo, e o bom no bom, é unicêntrico, monótono, acósmico, ou anticósmico, porque unipolarizado. Para ser bipolarizado, univérsico, como o cosmos, deve o homem ver o belo e o feio, o bom e o mau, como duas antíteses complementares, que se integram na grande síntese, sem se diluírem nela. Se o belo e o feio, o bom e o mau fossem duas antíteses contrárias, em vez de complementares, nunca poderiam integrar-se nunca síntese harmoniosa, feita de unidade na diversidade.

Esta bipolaridade univérsica rege o mundo infinitamente pequeno dos átomos, onde os eléctrons negativos giram elipticamente em torno do seu próton positivo; rege o mundo infinitamente grande dos astros, onde os planetas traçam a sua órbita elíptica em torno do seu sol; rege o mundo misterioso da eletricidade e da eletrônica, onde luz, calor, movimento, som e cores são produzidos por dois pólos, o ânodo (positivo) e o cátodo (negativo); rege o mundo de todos os seres vivos superiores, que só existem graças aos pólos masculino-dativo e feminino-receptivo.

O Ser Infinito, que se revela nos Existires Finitos; o Creador-Uno, que se manifesta nas Creaturas-Verso, Brahman, revelado e velado por Maya – são expressões da bipolaridade do Universo.

Quando então o homem possui a reta experiência cósmica do seu Ser, pratica ele a reta vivência ética no seu agir: age dinamicamente, sem ruído nem afobação; age extensamente em virtude da sua profunda intensidade. Ensina silenciosamente pelo que ele é internamente, e não pelo que diz ou faz externamente no plano do seu agir. Trabalha intensamente, como diz Krishna, mas renuncia a cada passo aos frutos do seu trabalho; depois de ter feito tudo o que fazer devia, o sábio diz, segundo as palavras do Cristo: agora sou servo inútil; cumpri a minha obrigação, nenhuma recompensa mereço por isto.

O sábio desaparece sempre por detrás das suas obras; ele é tão anônimo como Tao, cuja ausência invisível realiza todas as presenças visíveis. É ativo na passividade.

O sábio está invisivelmente presente em suas obras, e visivelmente ausente de toas elas, porque ele age pelo seu Ser, muito mais que pelo seu Fazer ou Dizer. Age sem Agir. É cosmo-agido, e não ego-agente.

Neste capítulo celebra Lao-Tse a apoteose do homem univérsico, cuja invisível Fonte "Eu", faz fluir as águas vivas através dos canais visíveis do seu "ego", assim como, no cosmos sideral, o Uno Infinito se revela em todos os versos Finitos.

Toda a sabedoria está em que o Verso (ego) se deixe sempre guiar pelo Uno (Eu) que este vá sempre na vanguarda, e aquele na retaguarda.

Profano = Verso sem Uno.

Místico = Uno sem Verso.

Cósmica = Uno e Verso.

sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Depois da queda



A nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, 
mas sim em levantarmo-nos sempre depois de cada queda.

Confúcio

Opte



Opte por aquilo que faz o seu coração vibrar....
Apesar de todas as conseqüências.

Osho
Img: Easy Dreamer Photography

Nado Nada - António Manuel Couto Viana



É preciso ficar aqui, entre os destroços,
E cinzelar a pedra e recompor a flor.
É preciso lançar no vazio dos ossos
A semente do amor.

É preciso ficar aqui, entre os caídos,
E desmontar o medo e construir o pão.
É preciso expulsar dos cegos dias idos
A insónia da prisão.

É preciso ficar aqui, entre os escombros,
E libertar a pomba e partilhar a luz.
É preciso arrastar, pausa a pausa, nos ombros,
A ascensão de uma cruz.

É preciso ficar aqui, entre as ruínas,
E aferir a balança e tecer linho e lã.
É preciso o jardim a envolver as oficinas:
É preciso amanhã.

Nado Nada, António Manuel Couto Viana
Img: "Sun and Life", Frida Kahlo

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Amor Vivo - Antero de Quental



Amar! Mas d'um amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímido a arpejos,
Não sejam só delírios e desejos
D'uma douda cabeça escandecida...

Amor que viva e brilhe! Luz fundida
Que penetre o meu ser - e não só beijos
Dados no ar - delírios e desejos -
Mas amor... dos amores que têm vida...

Sim, vivo e quente! E já a luz do dia
Não virá Dissipá-lo nos meus braços
Como névoa de fantasia...

Nem murchará do sol à chama erguida...
Pois que podem os astros dos espaços
Contra débeis amores... se têm vida?

Amor Vivo, Antero de Quental
Img: Seated Bather, Pierre Auguste Renoir

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Mineral - Manoel de Barros



Nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.

Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.

Manoel de Barros
Img:  Josephine Wall

A Alquimia do Verbo - Arthur Rimbaud



Para mim. A história das minhas loucuras. Há muito me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna.

Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassados, contos de fadas, pequenos livros infantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, ritmos ingênuos.

Sonhava  com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.

Inventava a cor das vogais! - A  negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, me vangloriava de  ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos.

Era comigo traduzi-los. Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.

Delírios II - A Alquimia do Verbo, Arthur Rimbaud
Img: Humand Birth, Salvador Dali

Amor Amigo


O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois minha timidez não me deixou falar por muito tempo
Para mim você é a luz que revela os poemas que fiz
Quem conhece da terra e do sol
Muito sabe os mistérios do mar

O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois quieto que sou só sabia sangrar, sangrar cantando
Quantas vezes eu quis me abrir
e beijar e abraçar com paixão, mas as palavras
que devia usar fugiam de mim recolhidas na minha prisão

O que eu vou dizer, você nunca ouviu de mim
Pois minha solidão foi não falar, mostrar vivendo.
Quantas vezes eu quis me abrir
e as portas do meu coração sempre pediam
Seu amor é meu sol e sem ele eu não saberia viver

"Amor Amigo" - Milton Nascimento e Fernando Brant

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Mistérios


Um fogo queimou dentro de mim
Que não tem mais jeito de se apagar
Nem mesmo com toda água do mar
Preciso aprender os mistérios do fogo pra te incendiar

Um rio passou dentro de mim
Que eu não tive jeito de atravessar
Preciso um navio pra me levar
Preciso aprender os mistérios do rio pra te navegar

Vida breve, natureza
Quem mandou, coração?

Um vento bateu dentro de mim
Que eu não tive jeito de segurar
A vida passou pra me carregar
Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar

"Mistérios" (Joyce / Maurício Maestro), música de Milton Nascimento
Foto: "Liz on Piermont Pier", por Jessica Raimi

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Eu sou do tamanho do que vejo



Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. 
 
Alberto Caeiro, Da minha aldeia
Img: Van Gogh, The Sower

Nuvem Cigana



Se você quiser eu danço com você
No pó da estrada
Pó, poeira, ventania
Se você soltar o pé na estrada
Pó, poeira
Eu danço com você o que você dançar

Se você deixar o sol bater
Nos seus cabelos verdes
Sol, sereno, ouro e prata
Sai e vem comigo
Sol, semente, madrugada
Eu vivo em qualquer parte de seu coração

Se você deixar o coração bater sem medo
Se você deixar o coração bater sem medo

Se você quiser eu danço com você
Meu nome é nuvem
Pó, poeira, movimento
O meu nome é nuvem
Ventania, flor de vento
Eu danço com você o que você dançar

Se você deixar o coração bater sem medo
Se você deixar o coração bater sem medo

"Nuvem Cigana"
(Lô Borges / Ronaldo Bastos) 
Img: Toulouse-Lautrec, Au Lit: Le Baiser

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Ao coração que sofre


Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
Ao coração que sofre

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Olavo Bilac
Foto: "O Beijo", Alfred Eisenstaedt

Semeador


Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.

Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.
Cora Coralina, Mascarados
Escultura "O Semeador de Estrelas", de Ivan Grohar

A Arte


A arte existe porque a vida não basta!

Ferreira Gullar

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

Consiste



A vida real do ser humano consiste em ser feliz, 
principalmente por estar sempre na esperança de sê-lo muito em breve.

(Edgar Allan Poe)
Img: Rene Magritte

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Som



Agora, sentem-se calmamente; não porque eu lhes estou pedindo, mas por ser este o meio de aprender. Sentem-se e fiquem tranqüilos, não apenas fisicamente, não só com o corpo, mas também com serenidade. Assim, nesse estado de quietude, prestem atenção. Atentem para os ruídos que vêm de fora, para o cantar do galo, dos pássaros, para todo e qualquer barulho; ouçam primeiro as coisas que acontecem externamente e, depois, o que se passa na própria mente. Então, poderão notar, nesse silêncio, se souberem escutar, que o som externo e o interno são o mesmo som.

Jiddu Krishnamurti - Ensinar e Aprender

Desconhecido


Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço. Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã.

Caio Fernando Abreu
Img: René Magritte, Les Amants