quinta-feira, dezembro 30, 2010

Não digas nada



Conheci escutando Secos & Molhados e admirei a letra.
Depois da internet, descobri o "compositor": Fernando Pessoa


Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

A brasa solitária




Juan ia sempre aos serviços dominicais de sua congregação. Mas começou a achar que o pastor dizia sempre as mesmas coisas, e parou de frequentar a igreja.

Dois meses depois, em uma fria noite de inverno, o pastor foi visitá-lo.

“Deve ter vindo para tentar convencer-me a voltar”, pensou Juan consigo mesmo. Imaginou que não podia dizer a verdadeira razão: os sermões repetitivos. Precisava encontrar uma desculpa, e enquanto pensava colocou duas cadeiras diante da lareira, e começou a falar sobre o tempo.

O pastor não disse nada.

Juan, depois de tentar inutilmente puxar conversa por algum tempo, também calou-se.

Os dois ficaram em silêncio, contemplando o fogo por quase meia-hora.

Foi então que o pastor levantou-se, e com a ajuda de um galho que ainda não tinha queimado, afastou uma brasa, colocando-a longe do fogo.

A brasa, como não tinha suficiente calor para continuar queimando, começou a apagar. Juan, mais que depressa, atirou-a de volta ao centro da lareira.

“Boa noite”, disse o pastor, levantando-se para sair.

“Boa noite e muito obrigado”, respondeu Juan. “A brasa longe do fogo, por mais brilhante que seja, terminará extinguindo rapidamente. O homem longe dos seus semelhantes, por mais inteligente que seja, não conseguirá conservar seu calor e sua chama. Voltarei à igreja no próximo domingo”.


Retirado do blog do Paulo Coelho