"Escuta as árvores fazendo a tempestade berrar. Valoriza contigo estes instantes em que a dor, o sofrimento, feito vento, são conseqüências perfeitas das nossas razões verdes, da exatidão misteriosíssima do ser".
Não se pode dominar a dor escondendo-a, ou se escondendo dela. Ela faz parte da vida. Se olharmos a nossa volta, podemos perceber que ela está presente de várias formas. Mesmo que desejemos que o sofrimento não se apresente, ainda com mais força ele se apresenta. Isso porque não podemos ir contra a natureza das coisas. É uma tolice imaginar a perfeição como a faculdade de não enxergar o sofrimento. A perfeição não tem nada a ver com isso.
Ver perfeitamente é compreender as coisas como elas são. Muitas vezes tendemos a ver a felicidade como uma conjugação de circunstâncias favoráveis, na qual haja a menor parcela de sofrimento possível.
Baseando-nos nisso, então, olhamos para nós mesmos, e para os outros e julgamos se temos ou não motivos para nos acreditarmos felizes. Porém, considerando-se que somos responsáveis, em maior ou menor grau, por todo o sofrimento que nos ocorre, podemos constatar que essa crença, se não é totalmente falsa, omite boa parte da verdade.
A dor tem uma razão de ser: o alcance de uma compreensão maior sobre as implicações metafísicas e éticas do fato de se estar vivo. Enquanto esta consciência não floresce, a dor persiste.
Contudo, existem dois tipos de sofrimento: aquele causado pela nossa própria ignorância e aquele por causa da ignorância dos outros. Esse segundo tipo é mais um lamento por aqueles que "não sabem o que fazem", ou seja, que desconhecem que o mal que praticam provoca sofrimento futuro para si mesmos. Está é a dor das almas puras e dos santos. O sofrimento não existe simplesmente para que nós desejemos que ele não exista. Isso não teria sentido.
A tradição budista sintetiza bem isso através das "Quatro Nobres Verdades". A primeira delas fala sobre a existência do sofrimento; a segunda, afirma que todo sofrimento nasce do desejo, inclusive do de não sofrer; a terceira, diz que o sofrimento se extingue com a extinção do desejo; e a quarta, aponta o caminho de oito passos para a cessação do desejo.
Quem desperdiça o seu tempo tentando se esconder do próprio sofrimento e fugindo da dor dos outros, sem meditar sobre as razões das suas dores e sem procurar minimizar os sofrimentos alheios, naquilo que for possível, não está sabendo aproveitar o sofrimento. Porque, quando ajudamos as pessoas que estão sofrendo, a nossa própria dor diminui.
Gibran, falando da dor, disse que ela é "a amarga porção com a qual o médico que está em vós cura o vosso Eu doente".
Confiai, portanto, no médico, e bebei seu remédio em silêncio e com tranqüilidade. Porque sua mão, embora pesada e dura, é guiada pela suave mão do Invisível.
Se, por um lado, a dor martiriza e lascina; por outro, ela humaniza e santifica.
No sofrimento, o homem se solidariza com o seu próximo, compadecendo-se das chagas e trazendo-o para mais perto de si. Não vai aqui nenhuma apologia ao sofrimento, mas apenas a lembrança de que, se ele for corretamente assimilado, irá se constituir numa lição que não precisa ser repetida.
Nas palavras sensatas do Mestre Eckhart:
"Nada é mais amargo do que o sofrer, e nada é mais doce do que o ter sofrido. Aos olhos dos homens, o que mais desfigura o corpo é o sofrer; aos olhos de Deus, o que mais embeleza a alma é o ter sofrido".
Mario de Andrade